43ª Mostra Internacional de Cinema

“Toda família vive em guerra. Gosto de retratar essas relações que temos com pessoas que às vezes nem gostamos, mas somos obrigados a conviver”

Mochila de Chumbo é o segundo longa-metragem do diretor argentino Darío Mascambroni. No filme, acompanhamos a história de Tomás, um garoto de 12 anos, que, ao saber que o assassino de seu pai saiu da prisão, foge de casa para ir atrás do homem, em busca de vingança. A história do filme é inspirada em um caso que aconteceu com um primo de Darío. Em conversa com a reportagem da Mostra, o diretor de apenas 30 anos fala sobre sua carreira na Argentina e explica a razão de gostar tanto dos dramas familiares.

De onde veio a ideia de fazer este filme?

A ideia surgiu por causa de um evento que aconteceu na minha família, quando eu era adolescente. Meu primo caçula teve o pai assassinado e alguém da minha família contou que, quando o homem foi solto, meu primo queria enfrentá-lo. Vários anos depois, me veio a ideia de fazer um filme sobre esse episódio. A história que eu conto no filme não é a história verdadeira do meu primo --ele nunca encontrou o assassino de seu pai--, mas é a ideia de um garoto que passa por um momento difícil, com uma arma em mãos e a ideia de vingança na cabeça.

Como foi escolher o garoto que faz o protagonista do filme?

Foi um processo bem longo, na verdade. Fomos a várias escolas ao redor da área em que queríamos gravar. Eu gosto de passar esse realismo, tanto na locação quanto na atuação. Para escalar o protagonista e o resto do elenco, nós vimos mais de duas mil crianças. A gente só conversava com eles, prestava atenção na maneira que eles falavam. Facundo [Underwood], o garoto que interpreta Tomás, logo me chamou a atenção e me pareceu a escolha certa para o papel. Ele tinha o vocabulário que eu queria para o personagem. Depois que escolhemos os garotos, eles passaram por um laboratório, com um coach de atuação que tem experiência em dirigir crianças. Foi um processo bem demorado antes de começarmos a filmar.

Então o garoto nunca tinha atuado antes?

Não, nem ele nem os outros jovens. Alguns adultos também nunca tinham atuado. Tem vários "não-atores" no filme. Eu gosto disso.

O seu primeiro filme [“Primero Enero”, de 2016)] também é sobre a história de um garoto e seu pai. Por que esse tema o toca?

Eu gosto de retratar famílias e as relações entre seus membros. O meu primeiro filme é só sobre um garoto e seu pai. Já Mochila de Chumbo é sobre um garoto, sua mãe e a ausência do pai. Eu gosto de retratar essas relações familiares, entre pessoas que em alguns momentos não queremos nos relacionar, mas acabamos sendo obrigados, porque são da família. Toda família vive em guerra. Para mim, cada família tem muita história para contar.

E como é trabalhar com crianças?

Eu acho difícil, porque nós temos que ser mais cuidadosos com eles. É preciso prestar atenção em várias coisas que não envolvem o cinema, como se eles estão cansados ou com fome. No meu primeiro filme, Primero Enero, eu também trabalhei com crianças. Percebo que elas têm outra energia. Se elas estão a fim de filmar, você consegue gravar. Caso contrário, não dá. Elas precisam estar dispostas.

E como está o mercado cinematográfico na Argentina? Tem sido fácil conseguir incentivo para filmar?

Lá tem o Instituto de Cinema e, se o cineasta tiver sorte, consegue fazer um filme com o apoio deles. Mas, no começo da carreira, você tem que ganhar um concurso ou se juntar a uma grande produtora. Esse é o caminho. Caso contrário, não tem como arrecadar dinheiro para fazer o filme. Mas tem outras maneiras de gravar. Em Córdoba, minha cidade, fazemos muitos filmes de baixo orçamento, com a ajuda de amigos da área. Tem outras oportunidades.

E o que você mais gosta do cinema argentino?

Gosto muito dos roteiros e dos diferentes olhares dos diretores. Um filme gravado em Córdoba é completamente diferente de um de Buenos Aires, por exemplo. As histórias variam muito, de acordo com o lugar. Também gosto muito dos filmes independentes, feitos com pouco dinheiro, porque eles costumam ser bastante criativos e originais.

Bárbara Stefanelli

43ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA